Sheldrake, Rupert. O Renascimento da Natureza. São Paulo, Cultrix, 1993.

Este livro de Sheldrake trata da ideia da natureza, antes considerada inanimada pela ciência mecanicista, como viva e animada, a partir da visão da nova ciência holística. Especialmente a partir de própria ideia revolucionária de que os poderes organizadores invisíveis da natureza animada emergem sob a forma de campos.
A ideia da natureza como sistema inanimado e mecânico é bastante confortadora, desde a aurora da ciência mecanicista no Séc. XVI. Proporciona a sensação de que estamos no controle e de que superamos modos de pensar primitivos e animistas. O poder científico patriarcal industrial materialista foi capaz de dominar o poder matrístico de uma natureza feminina, que escondia seus mistérios. Bacon foi um dos arautos desta ideia: a nova ciência é “masculina por nascimento” e a partir dela emergiria uma “raça abençoada de heróis e super-homens”. 
Mais: a ideia de que a natureza funcionava de maneira mecânica e automática tornou Deus e a sacralidade cada vez mais supérfluos. Contrariamente, 
“na Europa medieval, as teorias gregas sobre a natureza, a tecnologia romana, as tradições locais, pré-cristãs, e a religião cristã achavam-se, todas elas, reconciliadas numa espantosa síntese, que se manifestou da maneira mais impressionante nas grandes catedrais góticas” (p.54).
Na realidade, foi a Reforma Protestante que preparou o terreno para a revolução mecanicista na ciência e para dessacralização do mundo. Especialmente pela erradicação das ideias de que o mundo natural é permeado de espírito e que ele está presente especialmente em lugares sagrados. “Eles queriam purificar a religião, e esta purificação envolvia o desencantamento do mundo” (p.39). Isto, junto com o Renascimento e a ciência, abriram caminho para o mundo moderno. Porém, o que o mundo moderno acabou tendo de único não é o fato do poder humano em si, nem o sentido de que a humanidade é algo em paralelo e acima do mundo, mas especificamente o enorme aumento do poder humano.
Rupert Sheldrake
Além de Bacon, Descartes também ajudou a eliminar a alma do mundo natural e do corpo humano, que se converteu em um autômato mecânico, ficando apenas a alma racional circunscrita num pequeno espaço do cérebro, a glândula pineal. Depois Galileu aprofundou o mecanicismo e o materialismo na ciência, fazendo com que a física abstraísse do mundo somente aquelas características que pudessem ser tratadas quantitativa e matematicamente, como forma, tamanho, posição, movimento, massa e carga elétrica, ignorando tudo o que não pudesse ser quantificado.
Inevitavelmente, esta maneira de ver o mundo iria encontrar seus limites. Eles iniciaram-se com a incapacidade de explicar fenômenos surpreendentes na física, como a natureza das partículas atômicas ou da luz, bem como na biologia as complexidades dos relacionamentos ecológicos e do sistema imunológico, e na psicologia a absoluta necessidade de compreender os sistemas maiores com que uma mente individual estava relacionada. Mas, talvez, o fenômeno mais onipresente e surpreendente para a ciência materialista tenha sido os campos e a energia, tanto na física como em outras áreas. 
“O universo mecânico setecentista da matéria em movimento possuía vários ingredientes separados uns dos outros: a própria matéria, feita de átomos passíveis e indestrutíveis; o movimento, as forças atrativas de gravitação, as forças elétricas e magnéticas, a luz, as forças associadas às combinações químicas e o calor. A concepção moderna de energia proporciona um princípio unificador para todos eles” (p. 95).
A separatividade e a fragmentação já não davam mais conta de explicar os fenômenos holísticos. O resultado é que agora o pensamento dominante é o de que a natureza consiste em campos e em energia. E ainda aprofunda mais com o mistério da matéria escura:
“A imensa maioria de toda a matéria do universo é completamente desconhecida, exceto através de seus efeitos gravitacionais. No entanto, graças ao seu campo gravitacional, ela moldou o caminho ao longo do qual o universo se desenvolveu. É como se a física tivesse descoberto o inconsciente. Assim como a mente consciente flutua, por assim dizer, na superfície do mar dos processos mentais inconscientes, também o mundo físico conhecido flutua num oceano cósmico de matéria escura” (p. 101).
Todos estes novos desenvolvimentos surgem sob a ideia de uma terceira teoria: não mais vitalista, como na idade média, nem mecanicista da ciência do Séc. XVII, mas holística, organísmica ou sistêmica. A principal ideia associada a esta teoria é o fato de que organismos são totalidades orgânicas que não podem ser reduzidas à física e à química de sistemas mais simples. O todo não pode ser reduzido às propriedades das partes.
O maior desafio dos biólogos animados por um espírito holístico era pensar a respeito da morfogênese biológica (o “vir a ser” da forma dos seres vivos). Propuseram, na década de 20, o conceito de campos morfogenéticos para ilustrar a maneira como as mesmas células diferenciam-se para formas órgãos e indivíduos de espécies específicas. A ideia de campo da física foi trazida para o estudo da vida. Na verdade, sua ideia foi ampliada, pois os campos morfogenéticos são dotados de uma natureza intrinsecamente evolutiva. Os campos morfogenéticos atuam sobre conjuntos de células e organismos informando um “programa” e influenciando as células e sendo influenciado por elas e pelo organismo total para uma determinada direção. “Os campos de uma determinada espécie, tal como o da girafa, têm evoluído; são herdados pelas girafas atuais, que os receberam de girafas anteriores. Contêm uma espécie de memória coletiva, à qual recorre cada membro da espécie e para qual cada um deles, por sua vez, contribui” (p. 115). Esta é a chamada “hipótese da formação causativa”. Os campos são meios pelos quais os hábitos de cada espécie são formados, mantidos e herdados.
Combinando esta ideia com a francamente adotada do materialismo na biologia, qual seja, da hereditariedade genética, os organismos vivos herdam não somente genes, mas também campos mórficos. Esses são herdados não-materialmente, por ressonância mórfica, não apenas de ancestrais diretos, mas também de outros membros contemporâneos da espécie.
Esta hipótese poderia explicar a tão controversa ideia dos instintos. “Instintos são os hábitos de comportamento da espécie e dependem de uma memória coletiva inconsciente. Graças aos campos mórficos, padrões de comportamento são atraídos em direção a fins ou metas fornecidos por seus atratores” (p. 120).
“Teorias mecanicistas da memória supõem, inevitavelmente, que a memória depende de ‘traços de memória’ materiais, que se acham, de algum modo, armazenados dentro do sistema nervoso […]. Os neurocientistas vêm tentando, há décadas, localizar traços de memória nos cérebros de animais usados em experimentos. […] Alguns cientistas propuseram que as memórias podem estar armazenadas de uma maneira distribuída, vagamente análoga ao armazenamento de informações em hologramas” (p. 121). O fato é que pode não haver estes traços de memória física se, por acaso, o cérebro não for apenas armazenador de memórias, mas também sintonizador de memórias presentes nos campos mórficos. “A hipótese da formação causativa sugere que a memória depende da ressonância mórfica e não de localizações materiais para armazenamento de memória. […] A memória individual e as capacidades de aprendizagem têm lugar contra o background de uma memória coletiva herdada por ressonância mórfica de membros anteriores da espécie. No domínio humano, tal conceito já existe na teoria de Jung do inconsciente coletivo, como uma memória coletiva herdada” (p. 122).
Por isso, o passado é presente, já que o campo de uma tribo ou família inclui “não apenas os seus membros vivos mas também os seus membros do passado. De fato, no mundo inteiro, a presença invisível dos ancestrais na vida dos grupos sociais tradicionais é explicitamente reconhecida” (p. 125).
Sheldrake, a partir desta hipótese, chega mesmo a duvidar que as leis da natureza sejam eternas: “As assim chamadas leis da natureza podem ser, isto sim, semelhantes a hábitos mantidos por ressonância mórfica” (p. 126). Sistemas estudados por físicos, químicos e biólogos podem estar sob a influência de “sulcos” de hábitos escavados de maneira tão profunda, que podem mesmo parecer imutáveis. “As regularidades da natureza são essencialmente habituais e […] há uma espécie de memória inerente à natureza. Este hábito implica que padrões de atividade passados influenciam o presente” (p. 133). “Talvez as constantes numéricas da física e as propriedades dos campos físicos conhecidos sejam, na verdade, hábitos há muito tempo estabelecidos” (p. 137).
Sheldrake ainda vai além quanto à criatividade no universo com base nos campos mórficos. “Em primeiro lugar, o novo padrão tem de passar a existir por meio de um salto criativo ou de uma síntese; em segundo lugar, ele está sujeito à seleção natural” (p. 138). Ou seja, um novo padrão de hábito constante pode ser criado, modificando o campo mórfico ou até mesmo criando novos. Ele se tornará estável na medida que se mantiver dentro da seleção dos campos e das suas modificações. Como, por esta hipótese, existem campos mórficos para átomos, moléculas e cristais, a seleção natural também pode operar nos domínios atômicos, moleculares, cristalinos, etc. Então, novamente à biologia, a evolução “pode não ser apenas uma questão de genes materiais, mas também de hábitos herdados não-materialmente” (p. 140).
Para o autor, problemas ainda não solucionados na biologia e no estudo da mente podem ter uma resposta possível dentro da morfogênese: “o comportamento instintivo, a aprendizagem e a memória ainda estão entre os problemas não solucionados da biologia, e a natureza da vida permanece uma questão em aberto” (p. 160).
A ressonância mórfica, numa ainda extensão do tema, pode afetar lugares e tempos cíclicos. Por exemplo, rituais feitos em locais sagrados em determinadas épocas fixas podem “sintonizar” o campo mórfico do lugar ou do hábito e “quanto maior for a semelhança entre a maneira como o ritual é executado agora e a maneira como foi executado antes, tanto mais intensa será a conexão ressonante entre os participantes do passado e do presente” (p. 173).
Repetindo e resumindo: 
“De acordo com a hipótese de causação formativa, cada novo padrão de organização (uma molécula, uma galáxia, um cristal, uma samambaia ou um instinto) envolve o aparecimento de um novo tipo de campo mórfico. Por intermédio da repetição, esses novos padrões de organização tornam-se cada vez mais habituais. Devido a essa memória do hábito inerente na natureza, o processo evolucionista é cumulativo. Novos padrões de organização passam a existir no contexto dos hábitos da natureza existentes e, através da repetição, tornam-se, por sua vez, habituais” (p. 194).
Sheldrake acredita que a nova ciência está sendo capaz de trazer novamente vida, espírito e alma à natureza, além do Sagrado inerente.

2 Responses

  1. isso tudo e tão maravilhoso ! esse conhecimento transforma um ser em amplitude de pensamentos e consciência , um outro universo .

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